domingo, 23 de outubro de 2016

JOSÉ MOURINHO

Meu caro José Mourinho,

Permita-me, antes de mais, tratá-lo pelo seu nome, sem nenhum "qualificativo" a antecedê-lo. Além do mais, como tal é uso em Inglaterra, presumo que deva estar mais que habituado a tal, e não me parece que venha mal algum ao mundo.

Escrevo-lhe porque estou muito preocupado consigo. Desde 2009 que me parece deixar de estar a ver um treinador "vencedor" e passou a ser um treinador "medrosíssimo".

Como não acredito que as pessoas mudem de convicções à moda de Groucho Marx, estou convencido que alguém lhe fez uma lavagem cerebral (ou coisa que o valha) e que o fez esquecer o que já fez. Ao que parece, deve ter apenas as imagens dos troféus que ganhou, mas não deve ter presente a forma como os ganhou. E eu gostaria de o fazer relembrar as suas origens, a forma como, no início da sua carreira, colocou as suas equipas a jogar futebol.

O senhor começou a ser conhecido como tradutor de um senhor do futebol chamado Bobby Robson. Acompanhou-o no Sporting (onde foi despedido), no FC Porto e no Barcelona. Depois de Robson chegou Van Gaal e, quando era adjunto, o Benfica contratou-o como treinador. O senhor fez uma coisa espantosa e com um conjunto perfeitamente banal (com jogadores tão banais que era risível como jogavam no clube, como Dudic, Escalona, Chano ou Diogo Luis) conseguiu fazer a equipa jogar bem e, até, ganhar ao Sporting 3-0 na Luz. Já lhe digo qual era o esquema táctico.

Depois, o senhor exigiu que lhe renovassem o contrato. E bem, diga-se de passagem. O clube tinha mudado de presidente e convinha saber com que linhas é que se cosia. O clube não aceitou e o senhor foi à sua vida. Deu um passo atrás e foi treinar um clube chamado UD Leiria - que hoje está algures entre os distritais e a antiga II Divisão B. Encontrou jogadores que foram importantíssimos para si (também já lhe digo porquê) como Derlei, Nuno Valente e Maciel. Tal como no Benfica, as coisas correram bem, e o senhor, a meio da época foi para o grande rival do Benfica, o FC Porto, para minha enorme alegria (se bem que eu o achava um tanto ou quanto presunçoso, mas muito competente).

O seu esquema táctico de sempre assentava no 4x3x3. No Benfica, no Leiria e no FC Porto. Derlei e Nuno Valente, e mais tarde Maciel, foram importantes para si porque ganhou quase tudo o que havia para ganhar nos dois anos subsequentes - faltou uma Supertaça Europeia (onde, para variar, fomos prejudicados por uma explusão por marcar a Seedorf com 20-30 para acabar o jogo e nós a dominar), e de resto ganhou tudo.

Não se esqueça desta parte - o seu sistema táctico de sempre era o 4x3x3. Como ganhou tudo no FCP decidiu mudar de ares. Não o fez da forma mais delicada (disse que queria ir embora numa flash-interview, o que não é bonito), mas foi. E foi seduzido por uma proposta de um milionário russo que, um ano antes, tinha tomado conta de um clube inglês - o Chelsea. Sim, o senhor passou por lá duas vezes, não foi só uma.

Quer no Porto, quer no Chelsea, o senhor teve duas premissas essenciais. Não há espaço para vedetas: a única vedeta era a equipa. Por isso, no Porto, dispensou pseudo-estrelas como Ibarra, Maric, ou Pavlin. No Chelsea fez o mesmo com Verón (internacional argentino), Crespo (idem), Petit (francês, não o do Benfica e de Portugal que hoje treina o Tondela), etc, etc. E sempre em 4x3x3. Contratou Makelele, Drogba, Robben, e outros. Característica? Nenhum deles era estrela. Estrela era a equipa. E funcionou, sabia? Meias finais da Champions três anos seguidos, dois campeonatos e o outro a lutar até ao fim, uma Taça de Inglaterra, entre outros. A coisa correu bem. No início da quarta época o senhor teve um problema com o dono do clube, que não lhe deu os jogadores que o senhor queria e, depois de um início titubeante (e consta-se que em guerra com alguns dos pesos pesados do plantel, como Lampard - é verdade, o senhor potenciava bem jogadores que não eram muito conhecidos, como este e Terry), pôs-se a andar dali para fora.

Depois foi para Itália. Voltou a ser rei e senhor da coisa. Imagine-se que até houve um ano em que ganhou tudo. Campeonato, Taça e Champions. Em dois anos, mudou a equipa toda, dispensou as pseudo-estrelas que por ali andavam (imagine-se, o senhor dispensou Patrick Vieira, Suazo e Recoba) e contratou Milito (que ninguém sabia quem era, excepto quem jogasse Football Manager), Sneijder e Thiago Motta. Sim, eles passaram por si para serem estrelas do futebol europeu. Mais uma vez, sempre em 4x3x3 e sem grandes estrelas na equipa.

Todas estas três equipas têm ainda um outro ponto em comum. Além de jogarem em 4x3x3, jogavam bem à bola. Então o FCP da primeira época e o Chelsea da primeira época, principalmente, jogavam à bola que se fartavam. Mesmo. Parece impossível? Mas é verdade.

Depois vem aquele que eu acho que é o fim da história. Quando ganha a Champions, o senhor, ao despedir-se de Materazzi fica extremamente emocionado e chora. Penso que foi aí que o senhor ficou com amnésia definitiva sobre tudo aquilo que fez. Porque depois foi para o Real Madrid e é o que se sabe. Continuou sem contratar grandes estrelas, mas deixou de jogar em 4x3x3 e passou a jogar em 4x2x3x1. E pior, a sua equipa deixou de ter futebol de qualidade, a não ser a espaços. Em Espanha aquilo eram favas contadas e ficava tudo entre Real Madrid e Barcelona. No primeiro jogo entre Real e Barça o senhor levou 5 batatas a seco. Ainda ganhou a Taça, num jogo em que se limitou a defender, do princípio ao fim. Parece que isto lhe serviu de inspiração. O senhor preferiu que as suas equipas passassem apenas a defender e depois alguém na frente que resolvesse o resto do assunto. No Real tinha Ronaldo e a coisa lá se safava. Ganhou um campeonato e na terceira época entrou em choque com quase toda a gente e foi-se embora.

Depois voltou ao Chelsea. A jogar sem trincos, no primeiro ano fez a desfeita ao Liverpool para não ganhar o campeonato, e conquistou-o no segundo. A meio da terceira época foi despedido. E agora está no United.

E como, desde aquele abraço do Materazzi, eu acho que e senhor teve uma "lavagem cerebral" gostaria de lhe dar uma ajudinha. O senhor tinha como base, não saber defender, mas sim ter a bola em seu poder muito tempo. Não era como as equipas de Guardiola, que são aborrecidas, mas era uma equipa normal, digamos assim. E isso assentava numa defesa com qualidade, num trinco que fosse quase omnipresente (Costinha, Makelele, Cambiasso), e médios que soubessem controlar bolas e passar bolas. Ah!, e eram essencialmente equipas relativamente baratas.

O seu último Chelsea e este United são caricaturas daquilo que o senhor fazia. Então este United é de fugir. E eu vou ao assunto: depois disto tudo, percebe porque é que não se justifica ter dado 120 milhões de euros por uma inutilidade ambulante chamada Pogba, quando podia perfeitamente ter repartido esses milhões todos por, pelo menos quatro jogadores: um central a sério para fazer companhia ao miudo francês que me parece ter algum jeito, mas Smalling é um perigo, um lateral esquerdo, porque Shaw está sempre lesionado, um trinco que seja um suporte a defender (sim, porque no seu United ninguém defende!) e um extremo a sério, um abre-latas que não Rashford ou Martial (a propósito, que é feito de Dapay?). E sim, José, tem mesmo de voltar ao 4x3x3, com um "cabeça-de-área" que lhe controle aquele jogo todo. Não vá mais longe - vá ao Porto buscar o Comendador Danilo Pereira ou ao Benfica buscar Fejsa, se bem que esse está muitas vezes lesionado, mas que também é muito bom. Penso que 30 milhões serão mais que suficientes para trazer qualquer um dos dois. E trate, também, de melhorar a parte do futebol. As suas equipas parece que estão a jogar sobre brasas, o que não as ajuda. Além de que o senhor parece que tem medo de qualquer equipa que jogue para cima de metade da tabela. Isto, para a sua qualidade, é, de facto, incompreensível.

Acredito que este possa ser o seu "ano zero" de United. Mas tenha paciência. O senhor tem qualidade e capacidade para, apesar disso, fazer mais e melhor.

Com os melhores cumprimentos.

Sem comentários:

Enviar um comentário